
ENRIQUECIDO COM VITAMINAS E FERRO
Por Henrique Saidel
PARTE i
A nossa vida está polvilhada, untada de elementos artificiais. A melodia doce e enjoativa do kitsch embala nosso dia-a-dia. O que não quer ser, apenas parecer ser. Casca, superfície, simulacro. O aparente. Nesse raciocínio, os objetos infláveis talvez sejam os mais emblemáticos. Feitos geralmente de plástico, eles não possuem forma específica, no primeiro momento. É necessário que alguém o pegue, sopre no buraquinho, e o encha de ar. Só então ele adquire sua forma final. E esta forma é, quase sempre, uma imitação (visual) de outra coisa, outro objeto, outro ser. O ente inflável necessita, portanto, de um estímulo a mais. Ele, em sua forma final, não é apenas plástico (impessoal) – é plástico preenchido pelo ar (respirado, organicizado) de quem o encheu. Possui, então, uma dupla “natureza”, um duplo gênese. Por outro lado, apesar de robusto, rijo e corado, o objeto inflável é carente de qualquer recheio (nem isopor, nem pano, nem plástico) palpável. É única e exclusivamente casca.
Qual é o fascínio, então, que esses objetos exercem sobre nós? Por que imitar?
O próprio teatro não seria uma mera imitação da natureza? Questionar o kitsch é questionar o próprio teatro – seremos tão implosivos assim? Escancarar o artificial, a simulação barata do teatro barato. Brincar com a expectativa barata dos espectadores (e mesmo criadores) baratos. Artistas infláveis. Teatro inflável. Teatro para microondas. Personagens, diálogos, espaço específico (palco, etc), trama começo, fim. Quando há regras a cumprir, revertê-las em material fértil para a sua própria contradição. Não há riscos no teatro inflável. Apenas o risco de o ar escapar.
Tudo é ternamente falso, aparente. Não uma busca pelo sentido interior, estofo inexistente do envoltório. Sim um desvelamento nem sempre sutil das próprias propriedades ilusórias. O efeito, a surpresa, a beleza fácil e primária.
Objetos comuns, encontrados em lojas de 1,99, que fazem parte do cotidiano urbano da massa, que, colocados em cena, ganham uma camada a mais de inutilidade e artificialismo: a camada teatral. A criação de uma natureza kitsch. Animais infláveis, flores de plástico, bebedouros de beija-flor. Bizarra biosfera de plástico, que aparece em uníssono, incoerentemente densa e bela. O tom macio e incisivo é mexido ao longo por interferências na ordem inicial. Acúmulos e redundâncias.
Ações simples, beirando a não-interpretação, ou por vezes resvalando a canastrice kitsch dos grandes e verdadeiros atores (assim são chamados). O atuante como elemento tendencioso, deflagrando certas construções de sentido, e sendo enredado por outras. A tranqüilidade cínica, o deixar-se atuar, a contracena enviesada são os pontos centrais do trabalho dos atuantes.
Em meio a isso tudo, o aparecimento de um trecho de “Fim de Partida” de Samuel Beckett. Os personagens (Clov e Hamm), isolados num cenário pós-hecatombe, divagam sobre as suas condições (e as suas relações com a natureza. E vice-versa.). Citação relocalizada – deslocalizada –, o texto de Beckett atua cinicamente contracenando com a situação patética do espetáculo inteiro.
1 comentários:
viva os infláveis...
muito bacana este blog..
vejo vcs quinta feira no jokers..
www.couve-flor.com
tirem os convitinhos no site..
bjos a todos
neto
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